quarta-feira, 2 de março de 2011

Quando as crianças crescem

A convivência com adolescentes no abrigo onde trabalho tem me trazido várias inquietações.
A abrigagem de crianças e adolescentes, seja por maus tratos, abuso, vulnerabilidade ou mesmo por medida protetiva resolve-se, apesar dos graves problemas, absolutamente compreensíveis para quem trabalha com esta clientela.
Afinal, numa sociedade onde é necessária a existência de um excedente de mão-de-obra para garantir que tarefas não qualificadas continuem sendo sub-empregos, mal pagos. E o moralismo reinante não permite que um planejamento familiar eficiente seja implementado no país. Mesmo com medidas sociais, com programas, com o arremedo de redistribuição de renda, não se resolve 511 anos de dominação e opressão. Nosso país avança em medidas compensatórias a passos lentos. As urgências da ignorância, da fome, da discriminação tem mais pressa do que o que lhes oferecemos.
Em um tempo relativamente curto, a maioria dos acolhidos adapta-se à regras e normas dos abrigos. Obviamente que crianças e adolescentes que, em sua quase totalidade, não estão acostumados com limites impostos, não aceitam de bom grado a mudança de paradigmas. Horários determinados, hábitos de higiene e cuidados com o corpo e aparência, novas maneiras de relacionamento levam certo tempo para incorporar-se à maneira de crianças e adolescentes relacionarem-se com pessoas que antes não faziam parte de seu universo. Estudar em horários determinados, resolver problemas sem uso da força física, aguardar sua vez para falar, sentar-se a mesa com novas maneiras, cuidar de seus pertences... Tudo novidade.
Mas após um período que considero curto, a maioria dos acolhidos conseguem incorporar os novos hábitos. Cito como exemplos mais marcantes o beijo de boa noite, o costume de novas palavras, sejam elas "dá licença" ou "por favor".
Acolhidos existem que chegam aos abrigos em tal situação de miserabilidade emocional que demoram mais tempo para integrar-se aos novos hábitos. Histórias de vida, de sofrimento imenuráveis para tão pouco tempo de vida, agressões, abandono e abusos, tudo isto faz com que parte da clientela desconfie de quaisquer demonstrações de afeto ou mesmo de respeito. A miséria não é só material, é miséria moral, é ausência de afeto, de cuidado, de qualquer sinal de humanidade. Certo, provavelmente estes pais que procedem ao abandono ou aos maus-tratos já passaram também por situações idênticas ou até mais degradantes.
O que não justifica, de forma alguma, sua atuação. Não justifica, mas de certa forma, explica.
Mas depois da conquista da confiança, do afeto, do período de bonança destes meninos e meninas, aparece a sombra dos 18 anos. O desligamento. Quando aquele período de acolhimento, cuidado e organização, o fantasma da saída do abrigo espera por eles, independente do grau de organização atingido.
A maioridade, para acolhidos em abrigos do Brasil e, penso eu, do mundo todo, para quem não está devidamente encaminhado, significa o segundo abandono. O que espera meninos e meninas que completam a idade cronológica que foi convencionada como maioridade?  Que trabalho? onde morar? Quem são suas referências? A quem será dado o beijo de boa noite? Com quem conversar suas dúvidas?
A nova família a duras penas aceita e conquistada, os novos afetos: Mais perdas?
Nossos agora adolescentes saem dos abrigos para o mesmo mundo de onde vieram. Tomara tenhamos nós construído em suas personalidades a força suficiente para enfrentar este velho mundo com a capacidade de entender seu papel, e principalmente, de não reproduzir as tragédias, o abandono e os maus-tratos que os
levaram até as casas de abrigagem ou passagem.
(parte 1) - Segue

3 comentários:

Voando com Borboletas disse...

Olá!
Amei seu blog!!
Gostaria de aproveitar e divulgar o meu.
Espero que venha me visitar!
Bjsss
Borboleta

Uma amostrinha da ultima postagem...

NÃO NOS DEIXEIS CAIR EM TENTAÇÃO, MAS LIVRAI-NOS DO CRACK AMÉM!
Meu DEUS todo poderoso
Que seu amor venha sobre nós
Livra-nos do crack, apartai-nos desta maldição
Que o crack que nossos jovens venham a conhecer seja somente....(continua)
http://voandocomborbolletas.blogspot.com/

Ricardo Mainieri disse...

Regina, o trabalho diário, principalmente com pessoas, nos leva ao amadurecimento e à reflexão.
Muitos da nossa geração fracassaram, rendendo-se ao consumismo, às falsas honrarias e a todos estes mecanismos que a sociedade tem para cooptar nossa consciência.
Mas a tua está bem íntegra e alerta. No entanto, faz uma conexão bem forte com o coração e te permite acolher os desfavorecidos, os nínguéns, como disse Galeano.
Ótimo texto. Bom saber que algumas pessoas do nosso tempo continuam pensando libertariamente.

Abraço.

Ricardo Mainieri

Igor de Fato disse...

Camarada Regina

Divulgue em seu blog o texto resultado da última reunião do Coletivo Jovem da CTB. O texto e fostos disponíveis no link:

http://igordefato.blogspot.com/2011/03/coletivo-jovem-ctbrs.html

Abraços,

Igor
CTB/RS