quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

No lugar certo, na hora certa.

Aprendi, depois de muitos custos, alguns bem altos, que por vezes o acaso (ou o que chamamos de acaso) nos conduz para longe do imaginamos desejar,  mas encosta em nossos  sonhos, aqueles que o corre-corre não nem nos deixa lembrar. Projetos que ficam empoeirando nos escaninhos de nosso consciente, cada vez mais longe do prazer de cumprir tarefas que deixam de ser obrigações, são atitudes que entendemos necessárias e que entendemos o por que de serem necessárias.
Conheço em minha fundação colegas que sentem prazer no trabalho que executam, e que não imaginam sua vida profissional longe de crianças e adolescentes. Conheço quem executa o trabalho por falta de opção. Estes adoecem, não conseguem estabelecer o necessário vínculo, e sofrem. E me incluo naqueles que, num estágio intermediário, cumprem a tarefa, estabelecem vínculos, mas mantém seus sonhos no que seria mais produtivo, com resultados mais efetivos.
Desde a década de 80 sou periferia dos movimentos ambientalistas. Por prioridades partidarias, pela necessidade de sobrevivência, nunca fui a fundo, a não nas leituras, nas poucas participações, nos textos escritos.
Mas a preservação ambiental, a natureza, a luta anti energia nuclear (hoje nem se fala mais nisto), a possibilidade de uma vida diferente e menos neurótica sempre estiveram presentes em meu discurso, em meus sonhos. Sem o romantismo da volta à cavernas, sem o desenvolvimentismo a qualquer preço, sem a destruição do que ainda resta de nossa natureza.
Sempre elegi Itapuã, por seu significado político, histórico e afetivo. Mas muitos outros Itapuãs tem sido destroçados, invadidos, nossas reservas virando lenha e carvão. Ou nossos leitos de rios açodados pela retirada indiscriminada de areia.
Muito há para ser dito. Porque é cômodo falar nos parques, mas não cumprir os mínimos cuidados, a separação do lixo, a economia de energia, o consumo desenfreado que faz com que na mesma estação sejam lançadas três coleções de roupas, uma para cada mês.
Voltando ao início, enquanto esperava soluções para minha vida profissional, sem nem pensar na possibilidade, fui levada para onde poderei produzir, com alegria, onde não trabalharei, executarei tarefas necessárias. Talvez agora com a maturidade para poder entender e produzir um trabalho que talvez só agora se apresente.
Nada é corriqueiro, muito menos em educação ambiental.
Mas tenho certeza que os possíveis obstáculos só servirão para desenvolvermos ainda mais planos e projetos, e que esta talvez seja das mais agradáveis e desafiadoras de todas as que já me foram dadas.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Crianças, adolescentes: Sempre os últimos.

Nunca, em nenhuma situação de disputas, fossem elas ideológicas ou mesmo eleitorais, deixei de ouvir a preocupação com crianças e adolescentes.      
Bandeiras como educação, creche, saúde específica para a área fazem parte de quaisquer discursos. Mesmo antes, na época em que crianças eram presas junto com adultos em celas comuns, mesmo no tempo em que o código de menores desconsiderava as causas sociais e creditava os atos infracionais a distúrbios de caráter e má índole, como se alguém (ah, Lombroso!) já nascesse criminoso, ainda assim propostas que pudessem aliviar o problema social de crianças e adolescentes incômodos eram sempre bem ouvidos.
Atrocidades à parte, a partir da Constituição Cidadã, as mudanças estavam ali, disponíveis, dependendo apenas da pressão e da vontade política.
Crianças e adolescentes seriam, desde a aprovação do ECA, a prioridade absoluta em todo o país. Num Brasil dos anos noventa, o neoliberalismo grassando e precarizando todas as relações de trabalho, isto quando havia trabalho, foi muito difícil sua implantação.
O Rio Grande do Sul foi pioneiro em separar medidas e propor novas formas de acolher e constituir uma ação mais humanizada para crianças e adolescentes. Instituições voltadas para autores de atos infracionais separados de crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais, em situação de risco ou abandono. Difícil, complicado, trabalhoso, mas inevitável e fundamental.
Antes, oQuando localizadas, são encaminhadas para abrigos, s que se fazia com crianças e adolescentes no Brasil (nem falando em mundo...) era determinado por suas classes sociais. A infância, com esta percepção que a temos hoje, é coisa de pouco tempo atrás. Crianças no Brasil colônia eram trabalhadoras, exploradas na medida de sua capacidade física. Até hoje, o trabalho infantil tortura e deforma corpos e mentes de milhares de crianças aqui, no Brasil. A idéia arraigada de que a criança ociosa será ocupada por pensamentos e ações voltadas para a desordem ou o ato infracional são tão arraigadas que é comum ouvirmos a indignação de cidadãos ditos progressistas com a proibição do trabalho antes dos 16 anos. Em várias situações do programa Menor Aprendiz o que acontece realmente é uma jornada um pouco mais curta para trabalhos meramente braçais, que em nada acrescentam à qualificação profissional dos adolescentes, mas que significam uma razoável economia para patrões. 
Por exemplo, o que o menor aprendiz aparende empacontando e carregando ranchos em mercados? Lavando privadas em fábricas? Faxinando escritórios? Quem fiscaliza isto, com o exíguo quadro de fiscais do trabalho? 
Quem já não ouviu a louvação das virtudes do trabalho precoce e sua condição de impedir que "as más condutas" contaminem crianças e adolescentes?
Nossa herança colonial inclui e se recusa a desconstituir a exploração infantil, inclusive a sexual. Era comum, para senhores de escravos com filhos homens, presenteá-los com um "manequinho", negrinho novo e pequeno, que servia de brinquedo, saco de pancadas e iniciação sexual para meninos brancos. O estupro de pequenas negras ou índias ou brancas pobres por parte dos senhores e patrões. E certamente por isto é que homens "de bem" continuam utilizando-se da prestação de serviços sexuais de meninas e adolescentes. E enquanto isto, a responsabilidade desta exploração sexual é creditada à falta de educação, caráter e moral das pequenas vítimas  que tem sua infância e inocência perversamente roubadas.
Certo que o país melhorou, inconteste, demos um salto da miséria absoluta e da precarização do trabalho, alterou-se o acesso à universidade foram criados programas de inclusão e retorno ao estudo. Saltamos para outra sociedade, melhoraram as condições, a oferta de profissionalização e de trabalho aumentou consideravelmente.
Mas ainda não aprendemos a lidar com os inúmeros e pequenos trabalhadores do tráfico, que vêem ali uma possibilidade de ascenção financeira e profissional a curtíssimo prazo, tão breve quanto sua perspectiva de vida. Não temos o que oferecer para eles. Não temos leitos nem programas para enfrentar a política de extermínio da infância e da juventude pobre, geralmente negra e favelada, e somente quando o crack passa a ameaçar a classe média/alta é que são tomadas algumas poucas e paliativas medidas, na verdade apenas uma grande e inteligente campanha publiciária que não atinge nem migalhas de quem realmente corre a ameaça da droga.
Não sabemos ainda o que fazer com crianças que tornaram-se adolescentes dentro de instituições que hoje já não possuem idade legal para sua permanência, nem condições de sobreviver fora delas. 
Em pleno 2011 ainda temos crianças e adolescentes na casa grande e na senzala. E nem de perto, estamos sendo capazes de formular políticas que avancem na compreensão desta realidade. 
Por que sem avançarmos no abandono e no combate aos preconceitos e idéias arraigadas nestes 511 anos de dominação, crianças e adolescentes abandonados, levados ao ato infracional, abusadas e em risco continuarão sendo exatamente o que foram até hoje:
INVISÍVEIS.
Menos quando, em festas religiosas e datas comerciais, cidadãos respeitáveis e politicamente engajados aliviam-se com alguns presentinhos, sorrisos e afagos.
Crianças e adolescentes não são moeda de troca. Não são alívio para culpas ocidentais cristãs da burguesia entediada.
Crianças e adolescentes não são o futuro, elas estão aqui, no presente.
Crianças e adolescentes e o que será feito delas são, neste momento, o maior desafio do Rio Grande do Sul.
O que fazer, quem fará e como fará, neste momento, é o maior desafio daqueles que escolheram um governo de esquerda no Estado e esperam dele uma solução condizente.