quarta-feira, 24 de julho de 2013

O tesouro da Lagoa

O frio, quando acorda a lagoa, trata sempre de primeiro enrolar suas espumas no manto opaco da cerração. Os barcos se aprontam com suas redes e anzóis, o peixe esta época já está crescido e pronto para o fogo. Milênios passam, e o peixe continua dando sustento aos ribeirinhos. Não mais como antes, no tempo e fartura; Hoje poucos respeitam a piracema, não há tempo para procriarem. E também tem a sujeira, o lixo, o esgoto e a porcaria industrial murchando os juncos e outras plantas, arrancando o resto de ar da água apodrecida.
Mas ali, onde falo, ainda restam alguns juncos, alguma espuma branca e tainhas gordas. Manhãzinha já começa o trabalho. Melhor que não tenha chuva, porque a cerração baixa com o sol.
As casas para trás do centrinho, ainda madeira sem grades. Telhados desprotegendo os caibros da madeira de pouco mais de duzentos anos. O velho e pioneiro porto que a cheia de 1941 levou, era lá que chegavam pessoas, mercadorias, guerra, mortes. Uma guerra que não era nem daqueles açorianos, nem daqueles negros, nem dos guaranis. Uma guerra que, dizem, deixou navios, canhões e riquezas no leito da lagoa.
Por ironia, os espanhóis religiosos que lá tentaram se estabelecer por volta do ano de 1600, foram expulsos pelos guaranis.  Mas deixaram a base de pedras onde foi construída a Fortaleza que também não vingou.
Aquela terra é inquieta, rebelde. Não aceita sua depredação. Quem diria que expulsaria terrenos e loteamentos já instalados para retornar a ser mato? Quem se atreveria hoje a desafiar os profundos poços das pedreiras violentadas?
Aquela água é sólida, é uma imensa e maciça construção de suas diminutas gotas, aquele vapor imperceptível a quem não lhe presta atenção. Aquela água toda, aquelas marolas, ou as ondas em dias de tempestade, seja no calor ou no frio, aquela água nos leva, embala, revela.
Mas não se descuide: Nunca deixe ou leve sua alma inteira. A lagoa precisa de um tantinho de nossa alma, assim como precisamos dela, de suas gotas, de seus grãos de areia. A tentação de entregar nossa alma inteira pode nos tornar parte indissociável dela. E negar nosso pedaço de alma certamente nos privará de seus encantos.
A lagoa é nossa medida. E ela nos escolhe meticulosamente entre as centenas de seres que infestam sua água, sua areia, seus juncos. Não, nada de critérios mundanos, nada de ouro. Nada de castidade absoluta, nada de seres dedicados as lides espirituais. Seus critérios são outros, e eu não os entendo. Mas já conheci outros prediletos da lagoa. E todos nós conhecemos esta escolha.
Mesmo com toda a movimentação que já houve por lá, por vezes dá para sentir as naus chegando, com imigrantes que mal passavam de meninos e meninas, ansiosos, com medo, a angústia do desconhecido. Certa vez me pareceu ver uma fila de pessoas andando rigorosamente em ordem. Não durou um segundo, mas entendi que estava percebendo os japoneses chegando à região, onde desenvolvem um belíssimo trabalho de agricultura familiar.
Algumas noites de céu limpo e vento sul, com atenção, podemos ouvir os lamentos das almas dos afogados. Dos que ousaram aquela morte terrível, e dos que se igualam pela busca incansável dos tesouros que pensam achar.
A lagoa, seu leito, suas águas, suas matas, suas pedras, tudo isto faz parte do tesouro. Mas o mais valioso de tudo é entender que nossas almas fazem parte dela e ela de nós. O privilégio de conhecer, entender e sentir a lagoa.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Não Mexe Comigo, Moço!

"Não mexe comigo, moço,
Que eu não mexo com ninguém,
Se mexer comigo leva,
Se mexer comigo, tem"

Hipertensa, recém ex-fumante, já havia sido convidada para um programa que reúne pessoas com estes problemas. Em reuniões semanais são discutidas alternativas para melhorar a qualidade de vida, tratar da abstinência, mudança de hábitos e outras medidas.
Hoje resolvi conhecer o trabalho. Recebida com cordialidade, observei que a dinâmica constava de depoimentos e aconselhamento. Interessante. 
Quando convidada, fui informada que os participantes deveriam evitar discussões polemicas, e que discriminações de nenhum tipo seriam permitidas. Achei ótimo. Realmente, na primeira meia hora as discussões se concentraram na pauta, ou seja, saúde. Até que um participante, ao reclamar que não havia um dos medicamentos de uso contínuo no posto onde faz seu tratamento, resoveu incluir reclamações sobre os baderneiros que estão saqueando o país. E emendou em seguida que a culpa é da Presidenta Dilma, que odeia petistas e comunistas. E aí não era ainda minha hora de falar, mas abri o grito. 
E disse que não admitiria que este tipo de insinuação fosse feita contra uma Presidenta legalmente eleita pelo povo, que não admitiria este tipo de atitude. Que se ele quisesse ser um formador de opinião a serviço da direita, que fosse procurar outro espaço. 
Definitivamente, sempre tive boa voz e em bom volume. O impacto foi forte, o coordenador do trabalho aparentou surpresa, mas rapidamente tomou a palavra, afirmando que os participantes deveriam aguardar sua vez, e assim falar de problemas ou angústias interferentes em seu tratamento. E depois concluiu dizendo que também ele é antipetista e anticomunista, mas que realmente, não deveríamos discutir política no ambiente. E que se estas regras não fossem seguidas, poderia me indicar outro grupo.
Claro que respondi que eu sou anti-direita, anti-fascista e anti-nazista. Mas que não discutiria política naquele espaço por respeitar regras e opiniões dos demais. Disse também que a possibilidade de recomendação de outro grupo fora órima, decisivaq para... fiz uma pausa e continuei: Ficar naquele espqaço mesmo.
No decorrer da reunião recebi manifestações desolidariedade de muitos outros hipertensos e fumantes (ou e-fumantes). O causador da discussão foi embora antes do final. E na saída, fui convidada por várias pessoas a voltar.
Mas nem precisava convite. 
Na verdade, enquanto discuti com os direitosos, rodava em minha cabeça uma antiga ladainha da capoeira regional: Não mexe comigo moço, que eu não mexo com ninguém...


domingo, 7 de julho de 2013

Mercado Público: Destruição ou Desleixo?


Soube do incêndio do Mercado Púbico de Porto Alegre pelo Facebook. Em segundos pululavam informações, perguntas, dúvidas, notícias improcedentes. Assisti via internet imagens da imensa e escura fogueira. Ouvi, pelo rádio, pérolas como "um bombeiro entrou para dentro", além das controvérsias. Uma emissora falava em destruição total, outra dizia que poucos estabelecimentos haviam sido queimados.
Ouvi também informações sobre hidrantes desativados, falta de escadas em condições, caminhões particulares levando água, mangueiras que desperdiçavam mais do que apagavam o fogo, de tão velhas.
Surgiu
a notícia de que a causa fora a queda de um raio, houve gente no twitter afirmando ter assistido.
Em seguida começaram os debates partidários, isentando, responsabilizando, e lá vem... A Copa!
Obviamente um monumento como nosso Mercado será recupperado para a copa. O Marco Zero de Porto alegre é o Mercado.
Lembro do tempo em que não era coberto, haviam algumas salas e muitos gatos. Lá era sediada a FRACAB, Federação das Associações de Moradores e Amigos de Bairros, entidade importantíssima para o movimento comunitário na década de 80.
Depois do último incêndio, a cobertura, reforma e melhoria dos bares. Mas sempre com problemas: Banheiros sem fechaduras nas portas, escadas rolantes que não rolavam. Mas o Nosso Mercado.
Tristeza imensa, indignação, dispisição inusitada para acompanhar a apuração das causas.
Mas posso afirmar que nem eu nem Porto Alegre aceitaremos um Mercado "Ligth", diferente de sua tradicional vocação

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Comunicado da Marcha Mundial de Mulheres

11 de julho: Dia nacional de luta!
O povo nas ruas muda o mundo!
Companheiras,
Vários movimentos sociais em conjunto com organizações sindicais e partidos coordenaram nas ultimas semanas uma agenda em comum para convocar uma grande paralisação nacional no próximo dia 11 de julho.
São 11 pontos de reivindicação entre os quais se somam alguns apresentados pelas Centrais sindicais e outros elaborados pelos movimentos sociais. Além disso, há seis pontos de denuncia que expressaremos nas ruas.
É muito importante que em cada estado a Marcha se some às mobilizações e paralisações convocadas para esse dia. Se no seu estado ainda não há uma convocatória nas ruas procure outros movimentos sociais e a CUT para se informar.
Iremos às ruas por:
1. Transporte público de qualidade
2. Reforma política e realização de plebiscito popular;
3. Reforma urbana
4. Redução da jornada de trabalho para 40 horas;
5. Democratização dos meios de comunicação.
6. Educação pública e de qualidade;
7. Saúde pública e universal;
8. Contra a PEC 4330 (terceirização);
9. Contra os leilões do petróleo;
10. Pela Reforma Agrária;
11. Pelo fim do fator previdenciário.

A saúde Pública e Universal, penso eu, deve incluir o fim da omissão do SUS acerca da saúde mental. É inadmissível que o Brasil não reconheça a urgência dos portadores de sofrimento mental, que não existam profissionais da área nem preocupação de prevenir, diagnosticar e tratar este mal. É hora de sair da idade média psiquiátrica e combater o preconceito que ronda este tema.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Eu DIscuto Sim!

Não tenho o hábito da queixa, mas hoje fui parar no I. Cardiologia com 200X120 de PA.
Medi pressão, fiz eletrocardiograma, tomei remédio e, do nada, aparece um jornal sei lá qual.
Sei que tinha uma manchete idiota, mas fiquei quieta.
A manchete era qualquer coisa do tipo Dilma quer trabalhar como Felipão.
Não gosto de Felipão. Pode ganhar o campeonato intergaláctico, NÃO GOSTO.
E então uma pmulher olha a tal capa e diz: Ah, esta Dilma! Tomara que caia logo!
E eu claro que não aceitei,
e respondi:
Não vai falar da DIlma na minha frente"
E seu filho, imediatamente respondeu:
Política, religião e futebol não se discute.
- Mas foi tua mãe que começou, e eu discuto sim!
- Isto é um hospital e a senhora (eu) é mal educada!
Nunca entendi bem esta polidez de quem alfineta mas não quer ser furado.
E fiquei cantando, com toda a falta de ar de minha hipertensão,
o Hino do Internacional.
Coincidência ou não, logo fui atendida.
E eles ficaram com aquela cara de quem fala por muxoxo,
sem argumento nem convicção