Itapuã

Sobre a lagoa

Morros para trilhar,
Folhas desgarrando tímidas das árvores dos matos do sul.
Pensamentos vagando entre dúvidas,
Marés invadindo mangues,
Imensidão



Itapuã. Pedacinho perdido de paraíso, distante cerca de 50km de Porto Alegre. Itapuã das mil faces: Reserva, lagoa, pescadores, morros, animais, árvores. No inverno, ouve-se no sussurro das águas o lamento das almas perdidas ao sul. As vezes, o vento encrespa as águas, a areia esconde-se no leito amarronado das beiras, os juncos se escondem nas ondas. No verão, multidões invadem algumas de suas margens, e ela  fecha seus segredos nos poucos matos ainda intocados.
Na lagoa estão guardadas lembranças de canhões e misérias dos  revoltosos farrapos, as ruínas da velha igreja, hoje habitada por cascavéis e cruzeiras. 
Itapuã dos velhos hippies que deixaram remanescentes, poucos mas fiéis. Itapuã relegada ao esquecimento daqueles que, por força da lei e obrigação legal, lhe deveria socorrer.
Itapuã dos minifúndios, das pequenas casas com jardins, hortas e ainda sem grades. Das longas ruas sem nome nem calçamento, sem hospital, sem ambulância, da única e pequena escola de meio primeiro grau. Do ônibus esporádico, demorado, aos pedaços. 
Itapuã dos portais mágicos, trazendo do Rio do Prata murmúrios do massacre de índios expulsos de  seu lugar. De espanhóis e portugueses invadindo as terras do sul, queimando o mato, exterminando animais, navegando pelo Jacuí até alcançar as terras que lhes conviessem.
Mas a lagoa resiste, e alguns poucos remanescentes destes primeiros invasores deixaram-se aprender sua história, construíram cumplicidades, e hoje compartilham da convivência, dias bons e ruins, e tentam cuidar da guardiã de suas almas.
Na pequena vila, a quietude do inverno dá lugar, no verão, a vozes e gritos, fumaça de carvões, barracas ao longo de prainhas retraídas, gente, gente, carros estridentes e fumacentos, turbilhões de pessoas que nem de longe conhecem os mistérios das águas.
Algumas partes, antes invadidas e mutiladas, agora retomam sua quietude, seu mato, seus bugios e lagartos. Outras, desprotegidas,  convivem com a ainda mutilação de veranistas desrespeitosos, com seus lixos abandonados, garrafas, fraldas usadas, papéis, plásticos.
Mas é nas noites do início da primavera, quando a lua cheia entra água a dentro, clareando a turvidez dos redemoinhos, antes que o calor traga seus algozes, que a lagoa escolhe entre seus poucos visitantes aqueles a quem se dará a conhecer. Mesmo assim, apenas cantarola raras minúcias de seu ser. Então, quando invade os sonhos destes poucos privilegiados, cativa-lhes a alma e o querer, e então, nunca mais outro encanto será maior que o seu.Conhecer a lagoa não é tarefa para poucos dias. É preciso disposição, entrega, é preciso persistência. Principalmente, conhecer a lagoa, trocar pedaços de alma com ela, depende dela, da lua, dos ventos e da descoberta de nossas capacidades.
























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