terça-feira, 21 de junho de 2011

O Brasil que ninguém vê

Trabalhar em abrigagem pressupõe lidar com pessoas, no meu caso crianças e adolescentes, que tem por motivos de ingresso a vulnerabilidade social, a negligência, o abandono. Por mais que nossa convivência diária com estas pessoinhas nos traga um certo endurecimento, sempre somos surpreendidos por casos assustadores.
Obviamente não citarei o atual paradeiro de três irmãos, nem a zona de origem.
São três meninos que nunca haviam conhecido escovas de dentes. Cuja casa não tinha banheiro, onde existia apenas um "bardinho" e cujos excrementos eram atirados no matinho próximo.

Meninos com cabelos emaranhados por secreções purulentas, lotados de piolhos, bernes, feridas. Pezinhos crivados de bichos-de-pé. Meninos que recebiam uma refeição na escola e outra no SASE da região (Serviço de Atendimento Sócio-Educativo). O mais velho, já fora da idade de frequentar o SASE, "pedia".

Analfabetos funcionais, amedrontados, por vezes com traços de violência. Não olham nos olhos.Não respondem. tem medo do escuro, de voz alta, de banho.
A mãe estava incluída em algum programa de assistência? Não sabem. Conhecem drogas? Sim, mas negam uso, apesar dos indícios. Como era a casa? Uma peça. Refrigerador? Não. Cama? uma. Fogão? Não, comiam o que arrecadavam. Mas tinham uma televisão.
Encantam-se com as parcas peças de roupa recebidas. Com a TV grande, com a estante de frutas, com almoço, café, janta.
Por que foram para a abrigagem? Não sabem dizer.
Este Brasil, esta Porto Alegre que não se vê existe, e é maior do que se fala.
O que será deles? Bem, por enquanto receberão algum tratamento, curarão as feridas físicas aparentes.
Esta mãe? Certamente não faltará moralistas de plantão que a responsabilizem por este quadro.
Sem ir mais a fundo e entender que esta vida não foi novidade para ela, seus pais, avós, que estas crianças certamente são herdeiros da desgraça que  acompanhou negros roubados da África e expulsos da senzala para os morros periféricos das grandes cidades.
Miséria física, moral, material.
Dor. Que dificilmente quem não arrancou bernes das pequenas cabecinhas infectadas podem perceber.
Dor que ainda ronda nosso crescimento, desenvolvimento, nossa pujança.
Este Brasil escondido deveria ser a maior urgência de qualquer governo, de qualquer ação.
Por enquanto, um que outro, crianças "incomodativas" que pedem, roubam e nos agridem o olhar pela sujeira  e miserabilidade, vai parar em algum programa assistencial. Pelo menos, até os 18 anos.

5 comentários:

Ane Brasil disse...

REgina, parceira de hospício!
Sim, trabalhar na abrigagem de crianças ou adultos (como eu já trabalhei e você atualmente trabalha) é sim uma ante-sala do hospício. É o contato com o surreal todos os dias, incluindo sábados, domingos, dias santos...
É viver a dor e a delícia de acompanhar essas criaturinhas de passado extenso e poucas perspectivas de futuro.
Como dizem os manos do rap: "só os fortes sobrevivem" O mais foda disso tudo é que eu conheço esta história q tu acabou de descrever. e conheço histórias piores também. tem de um tudo: com happy end, sem happy end, algumas só o THE END aos 14, 17 anos. E no Brasil inteirinho essas histórias se repetem. cenário e personagens mudam, segue o mesmo enredo, a mesma tragédia mal escrita.
Sorte e saúde pra todos - porque merecemos!

Ada disse...

Situação pungente. Para dizer o menos. Realmente não se pensa isso de uma Porto Alegre, que se fosse o caso, Porto Quase Alegre. Admiro seu trabalho, coisa de louco mesmo (como diz sua companheira de ante-sala do hospício)há que ser forte emocionalmente e forte politicamente para alterar essa realidade. Por isso acredito num PCdoB sempre mais forte, capaz de romper com esse ciclo de explorados e exploradores. Seu Blog está muito bonito com esse visual. Parabéns e abraços.

Elenara Stein Leitão disse...

Puxa, é triste. E mais triste por a gente saber que não é apenas em Porto Alegre que isso acontece. Que há uma massa de gente nessas condições...Admirável o trabalho de vocês.
Coragem e saúde para continuar com ele.
Abraços

Oscar Plentz disse...

Querida Regina, sabes que tenho como atividade principal à 32 anos a advocacia trabalhista para empregados ou "desempregados", que vêm ao meu escritório ou os encontro em Sindicatos ou nos locais de trabalho, mas quase nunca vou nas suas casas. Como são péssimas as condições de moradia das pessoas pobres. A classe média não tem a mínima idéia das dificuldades e da precariedade de vida das pessoas excluídas. O que relatas é verdadeiro. Há muito por fazer!!! Há necessidade do socialismo. Parabéns!!!

frei.19@gmail.com disse...

E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui, já dizia o Caetano Bahiano num tempo de lucidez diante da nossa terra Brasilis.
Mas calma, pequena Regina, sensivel e lúcida grande Regina. A Dilma ta prometendo sanar o misére que nossos municipes,conterrâneos ou manos que passam suas necessidades cavernais em todos os cantões do rico e continental Brasil.
Todavia, sempre penso que as promessas ficaram nas promessas e só um país socialista resolverá de fato o direito da massa. beijos...abraços
Flávio Maia
da gelada Caxias do Sul RS