Protestar, opinar, lutar são
direitos de todos nós, inclusive de quem, por opção ou coerção, desiste dele. Foi
protestando que tremi de medo pixando "abaixo a ditadura", que chorei de
tristeza quando a emenda Dante de Oliveira foi derrubada, de esperança nos
comícios pró-Diretas Já! Chorei de raiva quando o sem-noção presidencial nos
pediu para vestir verde e amarelo, e saí de preto dos pés à cabeça.
Protestei contra a venda da
Vale, das privatizações, por um ano me concentrei na luta contra a ALCA.
Chorei, bebi, fiz muita festa quando o dia nasceu feliz e Lula finalmente
chegou lá. No poder? Não, no palácio. É bem diferente.
E apesar de bem diferente o
tsunami varreu as economias de arrogante auto-proclamado primeiro mundo,
enquanto a marola molhou nossos pés. Não sou economista para enumerar dados e
gráficos, falo do que vivo.
De um Brasil que não resolveu
a crise da maneira que eu, ambientalista gostaria: Ao contrário, incentivou
produção e consumo, e se é verdade que nosso trânsito é um caos, o desemprego,
que eu saiba, está entre os menores de nossa história. Um Brasil que não
estatizou as universidades privada, mas onde pobre pode e estuda, e cursa
universidade, mestrado, doutorado. Que tirou da linha da miserabilidade nem sei
quantos milhões. Brasil onde assalariado pode comprar casa, autônomo tem conta
em banco e crédito e não deve mais ao famigerado FMI. Que tem a inflação
mantida sob rédea curta, e que cresce. As hidrelétricas? Também não me agradam.
Mas me agrada menos a falta de energia. Existem alternativas eficientes.
Foi do jeito que sonhamos? Não.
Tudo o que eu falei é verdade, mas também é verdade que o capital financeiro
deita e rola, que a saúde é um desastre, que temos polícia&políticos
corruptos. E ainda um homofóbico fascista admitido para tratar de direitos
humanos.
O transporte público sempre
foi um dos maiores desafios urbanos. Porque quanto menos poder aquisitivo, mais
longe o trabalhador mora. Mais gasta, mais tempo emprega. E os empresários do
setor, como bons capitalistas que são, tem a ladainha na ponta da língua:
Querem isenções fiscais, reclamam dos "altos” salários, da manutenção.
Propõem que o MEC banque a meia passagem para estudante e a previdência a
isenção dos aposentados!
Tá certo o povo que foi para
as ruas reclamar da tarifa. Tá certo quem pintou seu cartaz com “Eu quero uma
saúde melhor”.
Mas não venham me ninar com a
canção de movimento espontâneo. Como se fosse crível que, de repente, juntam-se
pessoas e resolvem protestar pela passagem, alguém lembra saúde, outro corrupção
e aí, lógico, da DIlma. Que parece ser a causa de todos os males do país. E
quem não tinha nada para fazer aproveita o tempo livre para cobrir o rosto e
depredar o que vier pela frente.
Os manifestantes que ocuparam
as ruas ontem hoje ocuparam redes sociais. Garantem que o grupo que consideram “infiltrados”
não passa de 2%. Que as pessoas estão indignadas por tudo o de podre, miséria,
corrupção, fome, desemprego, querem mais saúde (eu também), mais educação (eu
também), mais dignidade (todos nós). Não vi as faixas pedindo reforma agrária,
urbana, política.
Ontem, aqui em Porto Alegre,
passei pela manifestação, observei por um tempo. Dizem que a juventude está
farta dos partidos políticos? Errado, vi um razoável número de bandeiras.
O que eu NÃO vi foram faixas
de ambientalistas pedindo usinas eólicas, mães pedindo mais creches, vítimas
dos juros abusivos pedindo a baixa dos juros.
Não vi os índios que estão perdendo suas terras, nem as vítimas da violência
urbana reclamando por mais segurança.
Por volta de meia noite,
encontrei o primeiro manifesto em uma rede social. Adivinhem: A juventude do
PSDB, dando todo apoio aos manifestantes. Depois, declarações de militantes da
esquerda muito esquerda. E, claro, notícias tingidas com os tons da imprensa
reacionária.
O que me preocupa, enfim, não
são as lixeiras queimadas ou marginais infiltrados. Preocupa saber até onde
esta massa indignada está servindo de ferramenta para a direita, indignada com
os níveis de aprovação de Dilma. Preocupa o surgimento de um novo salvador
(lembram Collor?) que livre o país das arruaças e ameaças. Dos comunistas, quem
sabe. Que acabe com esta mistura de miseráveis e filhos de boas famílias nas
universidades, e tudo volte, outra vez ao seu lugar.
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